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EUDR: O Futuro Sustentável da Cafeicultura Brasileira e o Papel das Iniciativas Colaborativas


Guilherme Amado Country Director na LRQA Brasil
Guilherme Amado | Country Director na LRQA Brasil

A Regulamentação Europeia sobre Produtos Livres de Desmatamento (EUDR) está redefinindo o panorama do comércio global de commodities agrícolas. Com implementação prevista para dezembro de 2025 para grandes empresas e junho de 2026 para pequenas e médias empresas, esta legislação vai muito além de simplesmente proibir produtos de áreas desmatadas após dezembro de 2020. A EUDR exige rastreabilidade completa da cadeia produtiva, conformidade com direitos humanos e trabalhistas, e respeito aos direitos dos povos indígenas, estabelecendo um novo padrão de sustentabilidade para o mercado europeu.

Para o Brasil, maior produtor mundial de café e responsável por quase metade das exportações destinadas à União Europeia, a EUDR representa tanto desafio quanto oportunidade transformadora. O setor cafeeiro brasileiro, que movimenta cerca de 69,9 milhões de sacas anuais, precisa se adaptar rapidamente às novas exigências de rastreabilidade e sustentabilidade. A União Europeia, que representa 47,3% das exportações brasileiras de café entre janeiro e julho de 2024, torna-se um mercado ainda mais estratégico e exigente.

Reconhecendo a importância dessa transição, o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) lançou uma iniciativa pioneira com uma landing page dedicada à EUDR e ao café brasileiro. Esta plataforma digital visa facilitar a compreensão das novas regras e seus impactos no comércio de café brasileiro, oferecendo perguntas e respostas direcionadas a produtores, exportadores e importadores. Mais de 50 empresas exportadoras e cooperativas já estão aplicando tecnologias avançadas para avaliar e gerar evidências sobre a conformidade dos grãos destinados ao bloco europeu.

O projeto piloto do Cecafé representa um marco na preparação do setor para a EUDR. Em parceria com a Serasa Experian, através da plataforma Smart ESG, exportadores brasileiros podem verificar e monitorar informações socioambientais de propriedades rurais, incluindo a identificação daquelas que atendem aos requisitos da regulamentação europeia e a extração de dados de geolocalização. Esta iniciativa abrange quase todas as remessas de café destinadas à União Europeia, demonstrando o comprometimento do setor com a conformidade regulatória.

A EUDR estabelece três critérios fundamentais que os produtos devem atender: serem livres de desmatamento, terem sido produzidos de acordo com as leis relevantes do país de produção, e estarem cobertos por uma declaração de due diligence. As empresas devem implementar sistemas robustos que coletam informações detalhadas, avaliam riscos de não conformidade e tomam medidas adequadas para mitigar qualquer risco que seja mais que "negligível". O sistema de benchmarking da Comissão Europeia classificará países em categorias de baixo, padrão ou alto risco, influenciando os requisitos de due diligence necessários.

Além dos aspectos ambientais, a EUDR incorpora dimensões sociais significativas. A regulamentação exige conformidade com direitos humanos protegidos pelo direito internacional, direitos trabalhistas, direitos de uso da terra, e especificamente o princípio do Consentimento Livre, Prévio e Informado (FPIC) para povos indígenas. Estas exigências refletem uma abordagem holística de sustentabilidade que vai além da conservação ambiental para abranger justiça social e proteção de comunidades vulneráveis.

É neste contexto desafiador que iniciativas colaborativas multi-stakeholder, como o Consórcio Cerrado das Águas, demonstram seu valor estratégico. Criado em 2015, este modelo reúne empresas, governo e sociedade civil em uma plataforma colaborativa focada na agricultura climaticamente inteligente. Através de práticas como restauração ecológica, gestão eficiente de recursos hídricos e implementação de técnicas sustentáveis de produção, essas iniciativas antecipam muitos dos requisitos da EUDR, oferecendo aos produtores ferramentas práticas para conformidade.

A agricultura climaticamente inteligente emerge como resposta fundamental aos desafios impostos pela EUDR. Este conceito baseia-se em três pilares interconectados: aumentar a produtividade de forma sustentável, adaptar-se às mudanças climáticas criando resiliência nos sistemas produtivos, e mitigar emissões de gases de efeito estufa. Práticas como agricultura de conservação, sistemas integrados lavoura-pecuária-floresta, uso de tecnologias de precisão e manejo sustentável de recursos naturais não apenas atendem aos requisitos regulatórios, mas também aumentam a competitividade e sustentabilidade econômica das propriedades.

A implementação da EUDR exige investimentos significativos em tecnologia e capacitação. Sistemas de geolocalização, plataformas digitais de rastreabilidade, agricultura de precisão e tecnologias como Internet das Coisas, satélites e inteligência artificial tornam-se essenciais para otimizar a cadeia produtiva e garantir conformidade. O desenvolvimento de certificação digital e sistemas baseados em blockchain promete revolucionar a transparência e confiabilidade das informações ao longo de toda a cadeia de suprimentos.

Para pequenos e médios produtores, que frequentemente enfrentam maiores dificuldades para se adaptar às novas exigências, parcerias público-privadas e iniciativas colaborativas são fundamentais. Programas de capacitação técnica, facilitação do acesso a recursos financeiros e assistência técnica continuada tornam-se essenciais para garantir que toda a cadeia produtiva possa se adequar aos novos padrões. A experiência de iniciativas como o Consórcio Cerrado das Águas demonstra que a união entre diferentes atores da cadeia produtiva multiplica os resultados e reduz os custos individuais de adequação.

O Cerrado, responsável por 40% da produção de água que abastece o Brasil e concentrando 12% da produção nacional de café, exemplifica a importância estratégica da restauração ecológica para o cumprimento da EUDR. Projetos de restauração da vegetação nativa não são apenas exigências ambientais, mas estratégias econômicas fundamentais para garantir a sustentabilidade hídrica e climática necessária para a manutenção da produtividade agrícola a longo prazo.

A EUDR não é uma regulamentação isolada, mas parte de um ecossistema regulatório europeu que inclui outras diretivas de sustentabilidade corporativa como a Corporate Sustainability Reporting Directive (CSRD) e a Corporate Sustainability Due Diligence Directive (CSDDD). Empresas que se antecipam a esses requisitos através de programas robustos de sustentabilidade terão vantagens competitivas significativas, incluindo acesso facilitado ao mercado europeu, possibilidade de obtenção de preços premium para produtos certificados e relacionamentos comerciais mais sólidos e duradouros.

A resposta brasileira à EUDR, exemplificada pelos esforços do Cecafé e por iniciativas colaborativas como o Consórcio Cerrado das Águas, demonstra que o país está posicionado para liderar globalmente a produção sustentável de café. O Brasil possui tecnologia de ponta para o agronegócio, experiência consolidada em agricultura tropical sustentável e capacidade comprovada de inovação em práticas climaticamente inteligentes. A convergência entre exigências regulatórias e práticas sustentáveis oferece uma oportunidade histórica para posicionar o país como referência mundial em agricultura responsável.

O futuro da cafeicultura brasileira está sendo construído hoje através da combinação entre regulamentações ambiciosas como a EUDR e iniciativas proativas do setor. Esta transformação não representa apenas conformidade com exigências internacionais, mas a construção de um modelo de desenvolvimento agrícola que concilia produtividade, rentabilidade e responsabilidade ambiental e social. O sucesso dessa transição dependerá da capacidade de articulação entre diferentes atores da cadeia produtiva, do investimento em tecnologia e capacitação, e do comprometimento com práticas que garantam a preservação dos recursos naturais para as gerações futuras, estabelecendo um legado duradouro de sustentabilidade e inovação no agronegócio brasileiro.

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